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Mexeu com uma, mexeu com todas!

Como o ciclone IDAI afeta a vida das mulheres em Moçambique? Veja depoimentos.

Por: Carla Gisele Batista*. Originalmente publicado aqui.

A Folha de Pernambuco, através da coluna Mulheres em Movimento, em solidariedade às vítimas do Ciclone IDAI.

Como o Ciclone IDAI afeta a vida das mulheres?

Carlota Inhamussua, Coordenadora do Grupo de Mulheres de Partilha de Ideias de Sofala/Moçambique – GMPIS, com a colaboração de outras ativistas feministas.

“Despertamos do susto, um terror que tomou conta de nós, por horas intermináveis de barulho indescritível, dos ventos que chegaram determinados a destruir, e das águas que vieram tirar-nos tudo o que tínhamos.”. Bendita, GMPIS (veja no final outros depoimentos de mulheres afetadas pelo ciclone)

O Ciclone IDAI – o que aconteceu? O que está acontecendo?

Na noite do dia 14 de março, o Ciclone IDAI devastou a cidade da Beira na Província de Sofala com ventos de 220 Km por hora acompanhados de chuvas fortes deixando a cidade com 90% das suas infraestruturas destruídas. Nos dias que se seguiram as chuvas e aberturas das comportas da barragem de Cahora Bassa trouxeram mais devastação.

Ao redor da Beira, vários distritos como Buzi, Nhamatanda e Dondo ficaram submersos, cobrindo uma área inundada no tamanho de Cuiabá no Brasil. O rompimento de uma das pontes sobre o Rio Pungue e a abertura de uma enorme cratera na Estrada Nacional N.6, que liga a Cidade da Beira ao resto do país e a falta de comunicação e energia levou ao isolamento total desta cidade.

Este foi o maior ciclone – categoria 4 – que afetou o sudoeste da África nas últimas décadas, dizem as Nações Unidas. São mais de 500 mil pessoas afetadas. Dias após a catástrofe, pessoas estavam penduradas nas árvores e em cima de tetos sem água e comida, esperando pelo resgate. A cada dia  se intensifica o sofrimento das mulheres, crianças e suas famílias. São centenas de mortos, milhares de feridos e desabrigados. Em consequência do desabastecimento, e dos oportunismos, os preços dos alimentos subiram exorbitantemente.

Aos poucos chega a ajuda humanitária. Na falta de serviços de saúde, medicamentos, acesso à água potável, assim como o abastecimento de combustíveis e alimentos, ela é necessária e bem vinda. Apesar de alguns silêncios da ajuda humanitária de muitos países, ou diminutas ajudas, a exemplo dos EUA, o mais incrível dessa catástrofe é justo o apoio da comunidade internacional: são organizações, governos, pessoas de todas as partes do planeta. Navios, aviões de varias partes do mundo estão chegando e as operações de emergência e assistência estão sendo feitas. Entretanto, a capacidade de gestão para atender todas as demandas é inferior ao tamanho do problema.

Impacto na vida das mulheres

O discurso sobre mudanças climáticas e calamidades muitas vezes é apresentado como “neutro” ao genero e como discussão de um fato científico sobre um processo global ao nível macro. Nos últimos anos, porém, ficou cada vez mais evidente que as mudanças climáticas têm um impacto diferenciado em mulheres e homens, existindo evidências do mundo inteiro de que mulheres morrem mais ou mais cedo por causa destes impactos[1].

Moçambique tem estratégias sensíveis a genero, como a ‘Estratégia de Género do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC/UN Women 2011)’, o que não significa que a estratégia tenha sido implementada.

As mulheres são as mais afetadas porque falta acesso a recursos económicos, terra, informação, comunicação – particularmente o rádio de ‘propriedade’ dos homens, energia, educação, alfabetização, e sem essas condições elas não podem desempenhar um papel crítico sobre a eficácia dos sistemas de aviso prévio. Os costumes, tradições, vestimentas, baixa mobilidade, limitam a capacidade das mulheres de nadarem, subirem em árvores, correrem. Nas catástrofes aprofunda-se a divisão do trabalho baseada no sexo que aumenta o volume de trabalho das mulheres. Para além disso, há todos os problemas identificados nos centros de reassentamento, incluindo assédio e abuso sexual. Como também a diferença entre a participação das mulheres e homens ao nível da tomada de decisões que faz com que as vozes delas não sejam ouvidas nas definições de estratégias para prevenção, mitigação, recuperação. Sem essas condições as mulheres ficam impotentes e com menos capacidades de responder às emergências e adaptação às mudanças climáticas.

A movimentação solidaria feminista

Um grupo de mulheres moçambicanas e amigas de Moçambique estão criando estratégias juntamente com o movimento feminista de mulheres da zona centro através do GMPIS. São maioritariamente, mulheres rurais, camponesas, professoras, enfermeiras, vendedoras de mercados informais, portadoras de deficiência, lésbicas, lideranças comunitárias.

A agenda do GMPIS está ligada a ações de solidariedade, e todas suas membros são ativistas e voluntárias, suas ações estão destinadas a apoiar mulheres que são afetadas por qualquer problema, e elas fazem ligações com mulheres nacionais e internacionais.

https://youtu.be/qkBiwkJnX8U

A campanha de mobilização de recursos

Seguindo essa energia de solidariedade, de paz e conexão local e global, activistas do GMPIS e outras activistas feministas de vários países juntaram os seus esforços para criar a campanha de solidariedade “Ciclone IDAI – Mexeu com uma, mexeu com todas!” em prol das mulheres vitimas do ciclone através do site GoFundMe. Essa acção faz parte de um movimento mais amplo de solidariedade para com as pessoas afetadas pelo ciclone.

O dinheiro da ação solidária será destinado as 29 associações do GMPIS que atuam nas comunidades afetadas. Estrategicamente, serão priorizadas as mulheres nas zonas rurais e a recuperação das estruturas para o bem-estar de suas vidas. E por causa, do lugar e posição de vulnerabilidade de Moçambique no mundo em relação a calamidades e ciclones, serão fortalecidas as acções de conscientização e advocacia com perspectiva de género sobre mudanças climáticas na agenda das mulheres.

A gestão dos recursos será feita pelo comité coordenador da rede e prestaremos contas da utilização dos recursos e sobre a situação através da nossa pagina no Facebook e nesta plataforma.  Por motivos administrativos a conta do GoFundMe esta em nome de uma ativista do grupo.

„Da janela do meu quarto, vi o vento lutando com as chapas do alpendre, como se viesse com um mandato de arrancar tudo, a todo o custo. Enchi-me de medo mas permaneci trancada no quarto com meus filhos. Sobrevivemos, mas perdemos quase tudo.“ Bendita, GMPIS

„O Ciclone trouxe muitas desgraças. Nossas casas ficaram destruídas. As mulheres são mais vítimas, pois grande número delas está grávidas, mulheres com deficiência. Eu mesma sou uma afectada pelo ciclone, perdi tudo e estou fora de casa com as crianças. Minha mãe perdeu tudo e outros familiares também. Tenho irmãos no Buzi e eles estão numa situação muito difícil.“ Inês, GPIMS   

„No meio da noite, minha casa caiu. Eu fugi e fui refugiar-me num prédio a beira da estrada. Cai e me feri. Agora durmo ao relento porque não tenho para onde ir. Não tenho idade para trabalhar e acabei de sair de uma doença prolongada que me deixou com deficiência. Não recebo nenhuma ajuda da Acção Social.“ Idosa de 66 anos, Matacuane.

„Há muitas famílias que ainda não sabem de seus parentes nos Distritos. Sabemos que muitas pessoas estão sendo transferidas das zonas inundadas para as zonas de acolhimento, mas as condições são muito precárias – falta de saneamento, falta de alimentos, falta de água, falta de medicamentos para pessoas que estão caindo doentes.“ Bendita, GMPIS  

„Mexeu com uma, mexeu com todas! – Aprendemos no Grupo de partilha que o que afecta a mim, afecta outras mulheres. Nos perdemos tudo, mas temos de mostrar solidariedade com aqueles que estão em condições piores …. E a vida continua!“ Benedita, GMPIS

„Precisamos de ajuda. Temos de estar fortes e ser unidas para podermos ajudar as outras, ajudar com ideias, dar força! E temos de estar conscientes de que o que aconteceu em Sofala pode acontecer em outro lugar e as mulheres precisam estar unidas e fortes para poderem agir.“ Ines, GMPIS

A humanidade e empatia fará que Sofala e tod@s atingidos por essa catástrofe saiam mais fortes.

Link FB GMPIS

Link para doação

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[1] Numa amostra de 141 países num período de 1981 – 2002 foi percebido que calamidades (e seus impactos) mataram em média mais mulheres que homens ou mataram mulheres mais cedo que homens. (Estudo realizada pela Escola de Economia de Londres)

*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).