“Sem jornalistas, não há jornalismo. Sem jornalismo, não há democracia”
Por: Carla Gisele Batista*. Originalmente publicado aqui.
No mês de maio, dia 3, se comemora o dia mundial da liberdade de expressão. Na data foi realizado em Montevidéu o seminário internacional Ameaças à Liberdade de Expressão em Contextos de Desinformação, promovido pelo Cotidiano Mujer e pela Articulación Feminista Marcosur. A manhã foi dedicada ao debate do papel do jornalismo em contextos de desinformação, da veiculação de mensagens de ódio, que limitam as possibilidades de comunicação. Contou com uma mesa sobre a campanha eleitoral do Brasil, na qual se destacou a Eliane Brum, colunista do El País. A também escritora e documentarista lembrou que já em 2013, manifestantes que foram às ruas do país criticavam os meios de comunicação. Quem não se lembra de repórteres da Rede Globo serem repudiados quando chegavam para cobrir as manifestações? Chamou também a atenção para a responsabilidade da imprensa no processo de desinformação que contribuiu para a chegada da direita ao poder, quando fake news viraram verdades por falta de referências que se contrapusessem a elas. É bom destacar que o país está no 102º lugar, entre 110, em um ranking mundial de liberdade de imprensa. À tarde os painéis e discussões se concentraram nas estratégias para a proteção e segurança do trabalho jornalístico.
De forma geral ficou claro nas apresentações, que contaram com representantes de vários países da Europa, América Latina e África, que jornalistas mulheres enfrentam atualmente problemas semelhantes no exercício da profissão: precarização, desemprego em alta; diferença salarial em relação aos homens e o fato de que estes, geralmente, têm mais espaço para atuarem como colunistas – vozes e opiniões com maior reconhecimento – e maior acesso a cargos de poder. Isto acontece também no Brasil, país em que elas estão em maioria nas redações, mas minoria nas direções; mulheres aparecem pouco quando o tema é economia, por exemplo, e quando atuam neste campo, ou são consultadas, costumam ter um perfil neoliberal; assédio sexual e laboral, além de estarem expostas a outras formas de violências e restrições.
Há um consenso de que a alta concentração dos meios de comunicação coloca em risco a liberdade de expressão, o pluralismo, a independência e a segurança de jornalistas. Nem sempre esses meios garantem retaguarda jurídica para proteção de funcionários/as, que estão constantemente expostos a cyber-ataques, processos judiciais, entre outras formas de intimidação. Na América Latina, México e Brasil estão entre as mais altas taxas de assassinatos de jornalistas. No Brasil os casos se concentram mais no interior do país.
A boa notícia, já devem ter observado, é que os meios de informação/comunicação alternativos têm se ampliado, a existência de redes de periodistas feministas, as editorias de gênero que estão sendo criadas e o reconhecimento de temas pautados pelos movimentos de mulheres e feministas, entre outros movimentos sociais, que têm ganhado maior cobertura, ainda que nem sempre na perspectiva adequada.
Foi importante saber que existem articulações em defesa do trabalho de jornalistas mulheres e estas já contam com representações em diversos países. Entre elas, a Red Internacional de Periodistas con Visión de Género – RIPVG e a Global Alliance on Media and Gender – GAMAG. Na sequência do seminário realizaram reuniões com suas integrantes presentes em Montevidéu.
Também este mês, entre os dias 16 e 18 em Quito, o Festival Zarelia – jornalismo, meios digitais, gênero e feminismo, reuniu cerca de 300 participantes de 12 países latino-americanos em torno do tema jornalismo responsável e com enfoque de gênero. Em evidencia os debates sobre jornalismo de investigação e checagem de informações, formas de abordagem do direito ao aborto e de resistência aos fundamentalismos religiosos.
“A condição humana é fundamental para um bom jornalista”
Jornalistas podem também atuar de forma articulada na defesa dos direitos humanos, em todas as suas áreas de atuação. Não foi do nada que este foi um ano em que, pela primeira vez, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou, no 8 de março, o informe Mujeres Periodistas y Libertad de Expresión, sobre a situação das jornalistas na região.
Saiba mais:
– Seminário Amenazas a la Libertad de Expresión, vídeos das mesas e debates
– Apresentação da Eliane Brum em detalhes
– RIPVG
– GAMAG
– Festival Zarelia, vídeos das mesas e debates
– Folha PE, sobre situação jornalistas no Brasil e no mundo:
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*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).