Num momento de intenso internacionalismo feminista, mais de 40 mulheres de todo o continente latino, de várias idades e identidades se reuniram em assembléia para pensar os rumos das ações de incidência contra o levante patriarcal, machista e misógino que grita novas formas de colonizar nossos corpos e territórios.
Texto e imagens: Déborah Guaraná
Depois alguns anos sem reunir amplamente as organizações e militantes que a compõem, a Articulação Feminista MarcoSur (AFM) promoveu, de 28 a 30 março deste ano, um encontro que reuniu não apenas com representantes dos países que a integram, mas também acolheu e integrou mulheres de outros seis países da América Latina. A proposta era fortalecer a articulação a partir do estreitamento dos vínculos já existentes e criar de pontes para diálogo com as novas militantes. Foram três dias intensos de reflexões, provocações e intercâmbio.
A reunião começou com um abraço coletivo oferecido à companheira antropóloga, ativista da associação e periódico LaCuerda, Ana Cofiño, da Guatemala, um dos países que ainda não integrava organicamente a AFM. A acolhida calorosa se deu em razão do recente caso de violência em seu país: mais de 40 crianças e adolescentes foram queimadas em uma casa de abrigo estatal em pleno 8 de março. O cuidado com as outras está em pauta. A situação de violência que grita na Guatemala não é um caso isolado. Apesar de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Brasil serem apontados como quatro dos cinco lugares onde mais se matam mulheres no mundo, todas as militantes denunciaram a violência da cultura patriarcal em seus países.
Nos debates, observou-se como a ascensão dos fundamentalismos e poder político das igrejas, os golpes à democracia e o avanço das alas conservadoras de direita em toda a América são cruciais para o aumento de todas as formas de violência contra as mulheres. Foram citados os absurdos índices de estupros de mulheres durante o conflito interno armado no Peru; a demora para aprovação das leis de divórcio e a proibição de realização de aborto em casos de violência sexual, no Chile; os resquícios ditatoriais e escravistas na Republica Dominicana,onde o aborto proibido em qualquer caso, os feminicídios não são reconhecidos como violência de gênero e a mortalidade materna assume números alarmantes, apesar de mais de 95% das mulheres recorrem aos hospitais para realizar os partos. Mas não apenas as violências que nos matam e nos fazem sangrar foram denunciadas, também há outras formas de violação. Nos argumentos do legislativo, judiciário e da mídia para a derrubada da presidenta brasileira foram usadas violências simbólica e machistas para deslegitimar a presidenta e dar seguimento ao processo de tomada do poder. A falta de alocação de recursos para encaminhar e fazer funcionar as leis de proteção à autonomia das mulheres foram denunciados pela Bolívia e Uruguai.
Como mudar essa cultura? Como fazer com que o movimento acolha a diversidade dos sujeitos mulheres sendo, portanto, plural, mas pautando o feminismo como ferramenta de transformação social? Como fortalecer e posicionar essas perspectivas e demandas feministas nos espaços de debate e instâncias de decisões locais, regionais e globais? A Articulação Feminista MarcoSur fez escolhas por grandes campanhas, participações em espaços de construções de utopias possíveis, como as Conferências e Fóruns Internacionais, realização de Encontros Feministas e produção e publicação de pesquisas e vídeos. Além disso, através das organizações, movimentos e militantes que a compõem, a AFM esteve presente em marchas de mulheres e intervenções urbanas por toda a América, ao longo dos anos.
Agora, a crise da esquerda nos põe em xeque. De um lado, vemos avançar progressivamente o modelo neoliberal, através dos golpes e retrocessos democráticos que ecoam pela América Latina, com a ofensiva do capital extrativista, exploratório – representando um verdadeiro levante facista nos espaços legislativos, jurídicos e midiáticos.E, do outro lado, estamos num momento em que se exalta no mundo desde 2015 a força da Primavera Feminista, na qual nosso continente exibe um poder extraordinário enquanto movimento de rua e por Direitos, protagonizando não apenas as marchas contra feminicídios e pela legalização do aborto, mas promovendo também greves de mulheres contra o capital. O desafio que está lançado para a nossa articulação, portanto, é de escolher bem as estratégias com as quais passaremos a incidir politicamente para a transformação social.