Cartilha derivada de um longo processo de formação em comunicação realizado com militantes do Fórum de Mulheres de Pernambuco revela questões pertinentes sobre uso das tecnologias digitais por movimentos feministas.
Durante a pandemia, a transferência de inúmeras atividades antes presenciais para a esfera digital aumentou o tráfego de dados na internet no mundo inteiro e, com isso, testemunhamos uma aceleração do processo de dependência social das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). As chamadas por vídeo tornaram-se tão comuns como em filmes de ficção científica de bons anos atrás e elas são apenas um exemplo bobo de como e para quem o desenvolvimento aconteceu.
Enquanto alguns ficam ricos, numa realidade paralela que parece acontecer num passado distante, a tecnologia não tem tanta pressa para chegar. Os sinais da internet são recebidos apenas num smartphone antigo de tela pequena e com pouca memória, compartilhado com os filhos. É possível acessar o WhatsApp e Facebook através de planos de operadoras de telefonia que oferecem criminalmente uso ilimitado destes aplicativos. A banda larga tem sinal fraco e velocidade baixa porque o modem fica na casa do vizinho e vem do gatonet*. Essas são as experiências de várias mulheres negras e seus filhos. Durante a pandemia, as crianças pararam os estudos e muitas mulheres foram demitidas do emprego. Além disso, estão impossibilitados de acessar direitos básicos, como o auxílio emergencial, disponibilizado através do aplicativo da Caixa Econômica Federal ou o TeleSUS, serviço virtual de telemedicina oferecido pelo Sistema Único de Saúde para atendimento ao Coronavírus.
Enquanto a falta de acesso diminui a autonomia e afeta a autoestima, o avanço exponencial da tecnologia (nos termos hoje postos) ameaça a democracia, o ativismo, a manutenção de empregos e, por consequência, a sobrevivência dessas mulheres. Refletir sobre tecnologia para não ser devorada por ela é, portanto, essencial e essa foi a missão do processo de formação levada a cabo durante um ano para e por feministas do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE).
O resultado desse processo pedagógico feminista intitulado “Cuidados Digitais e Comunicação de Guerrilha” vem à público num momento em que os debates sobre tecnologia e as inseguranças em relação à seus avanços estão em alta, mas não trazem para a centralidade do debate as experiências populares e ativistas. Na publicação, o FMPE oferece o método e uma sistematização dos aprendizados coletivos. Longe de oferecer soluções fáceis, os textos incitam reflexão crítica, promovem autocuidado no uso da internet e fornecem inspiração para as batalhas digitais e reais por um mundo onde a vida das mulheres negras importam.