Mais de 60 coletivos feministas lançaram no dia 4 de agosto uma nota (#AlertaFeminista) que chama a atenção da sociedade civil para os ataques de setores ultraconservadores ao direitos à cidadania plena das mulheres, impedindo que possam realizar a interrupção da gravidez resultante de violação sexual, gravidez com risco de morte para a gestante ou, mais recentemente, nos casos de anencefalia.
No Legislativo, quem assume a liderança dos ataques sórdidos à autonomia das mulheres são os membros da Frente Parlamentar Evangélica, composta, em agosto de 2017, por 198 parlamentares na Câmara dos Deputados e 4 Senadores. Como eles representam quase 20% da Câmara dos Deputados, sua atuação em bloco faz grande diferença no jogo político. Eles barganham votos para aprovar a PEC sobre o Teto dos Gastos Sociais, Reformas Trabalhistas, da Previdência e Política em troca de apoio na aprovação dos Projetos de Leis que representam os ideais racistas, machistas e fundamentalistas cristãos.
Foram os próprios sites de notícias evangélicos noticiaram que a bancada evangélica estava trocando os seus votos contra a denúncia de corrupção passiva por parte do ilegítimo Presidente da República, Michel Temer, encaminhada pela Procuradoria Geral da República ao Congresso Nacional. Em troca, o compromisso de apoio por parte do presidente para um Projeto de Lei que ficou conhecido no Brasil como Estatuto do Nascituro, que baseia–se no conceito de “direito à vida desde a concepção” e transforma o aborto em crime hediondo. Sua aprovação significaria retrocesso total, já que elimina até mesmo a possibilidade da interrupção da gravidez nos poucos casos hoje permitidos e pessimamente atendidos pelo Sistema Público de Saúde.
O AlertaFeminsita expõe este e outros cinco Projetos de Leis (PL) tramitando a nível nacional e inspirando outros projetos nos Legislativos Estaduais e Municipais, os quais também estão sendo mapeados. Eles tentam transformar o aborto em crime mais grave do que estupro, equiparando o aborto ao assassinato. Pretendem incluir/alterar a Constituição Federal para que um óvulo fecundado, ou embrião, seja reconhecido e tutelado pelo Estado como um sujeito de direito igual à pessoa nascida viva e defendem que a vida do feto em formação é mais importante do que a vida da mulher.
E quem são esses que querem condenar as mulheres? Entre os autores desses projetos estão políticos cassados e/ou condenados pela Justiça Brasileira, como o ex-deputado Eduardo Cunha e o ainda Senador Aécio Neves, por exemplo. Essa bancada divulga na mídia que as feministas defendem a legalização do aborto até nove meses de gravidez! Difundem campanhas dizendo às mulheres que se elas abortarem, elas serão obrigadas a matar “bebês” já formados. Para eles, a principal tarefa das mulheres é cuidar das crianças e usam seus fiés para defendem em alto e bom som em carros de bicicleta nas ruas das cidades, gritam em ônibus lotados e espalham a palavra de que essa responsabilidade é exclusiva das mulheres e que o sexo deve servir única e exclusivamente à reprodução.
Além da instância legislativa, tramita desde março deste ano no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), contra a criminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. O texto argumenta que determinados direitos das mulheres previstos na Constituição são, hoje, violados diretamente pelo Código Penal, tais como direito à cidadania, à dignidade, de não ser discriminada, à vida, à igualdade, à liberdade, de não sofrer tortura ou tratamento desumano, degradante ou cruel, à saúde e ao planejamento familiar.
O texto apresentado ao STF defende que dois artigos do Código Penal que hoje criminalizam o aborto feito pela mulher ou por outra pessoa com o consentimento da mulher são incompatíveis com a Constituição e pede que seja revisado o Código Penal à luz da Constituição Federal. Se esta ação for julgada procedente, o aborto até as 12 primeiras semanas de gravidez deixará de ser crime no Brasil, independentemente do motivo que leve a mulher a realizar o procedimento. É uma iniciativa do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) , juntamente com a Anis – Instituto de Bioética.
Na prática a “guerra ao aborto” se manifesta como a desculpa moral para criminalizar a pobreza e dar livre espaço para a ofensiva racista naturalizar a morte de jovens negras e mulheres pobres em idade reprodutiva: isso é o que está por trás da proibição. O Estado brasileiro assume seu caráter genocida em relação à população negra ao manter o aborto na ilegalidade, pois entrega à morte as mulheres pobres e negras, retirando-se de qualquer responsabilidade para com essas mulheres. São as negras as que mais realizam o procedimento em locais com pouca ou nenhuma higiene, insalubre e sem conhecimento médico, onde se utilizam sondas inapropriadas e outros apetrechos para provocar o abortamento. Além disso são também as negras, de baixa escolaridade e com menos de 21 anos as que mais passam pelo processo sozinhas, sem o auxílio ou apoio de uma amiga, familiar ou profissional da saúde.
O lançamento do Alerta Feminista é uma iniciativa das organizações e coletivos que operam na Frente Nacional pela Descriminalização e Legalização do Aborto no Brasil. As feministas estão renovando alianças e unindo esforços para articular o movimento desde as bases, criando engajamento desde os pequenos coletivos, e em sintonia com a chamada argentina #ungritoglobal pelo #abortolegal.
Ano passado, blogueiras e cyber ativistas organizaram uma programação para internet de 24 horas, com 48 falas públicas de feministas dizendo que #PrecisamosFalarSobreAborto. A ação teve grande repercussão e engajamento. Ela será realizada esse ano de novo esse durante o mês de setembro e na véspera do dia 28, no intuito de promover a auto organização feminista para as ações de rua no Dia Latino Americano e Caribeño pela Legalização do Aborto.