Dia Internacional de Luta das Mulheres não pôde, em 2021, ser de multidões. Mas saímos às ruas e redes, em todo o Brasil, para exigir, durante a pandemia, a volta do auxílio emergencial, vacinas para todos e o fim urgente do governo genocida.
Por SOS Corpo, na coluna Baderna Feminista | Fotografia: Larissa Brainer (MTST/PE)
A gente sempre enfrenta o bicho olhando no olho. A tônica do movimento feminista sempre foi de agir pela transformação do mundo, ocupando massivamente as ruas, para fazer o enfrentamento ao patriarcado racista colonial. Sempre sem medo, porque isso nós temos mas não usamos, como nos ensinou Margarida Alves. Mas esse 8 de Março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, precisou ser diferente por conta do grave momento de descontrole da contaminação do coronavírus no Brasil e em respeito à vida de milhões de pessoas que ainda poderiam estar entre nós se o governo Bolsonaro/Mourão, o Congresso Nacional e os demais poderes competentes estivessem encarando a maior crise sanitária do país de maneira efetiva e eficaz.
Contudo, não ficamos em silêncio. Todo o movimento feminista me mexeu. Diferentes agrupamentos da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) realizaram ações de rua tomando todas as precauções sanitárias. Em Pernambuco, o Fórum de Mulheres do Agreste fez um ato em frente à Câmara de Vereadores da cidade de Orobó. Na Região Metropolitana do Recife, o Fórum de Mulheres de Pernambuco fez ações de colagem de lambes junto ao Espaço Mulher, no bairro recifense de Passarinho e ao Coletivo de Mulheres de Jaboatão, na cidade de Jaboatão dos Guararapes. No Sertão do estado, mulheres do FMPE também foram às ruas na cidade de Ouricuri para exigir vacina, políticas públicas em saúde para melhores atendimentos, trabalho e renda básica permanente já!
Ações do tipo também foram realizadas pelo Fórum Cearense de Mulheres, pelo Fórum de Mulheres do Espírito Santo, do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense, da Articulação de Mulheres do Amapá e pelo Coletivo Motim Feminista, na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, entre outros. “Estamos sem emprego e sem política assistencial para garantir a sobrevivência cotidiana, comida, água, energia e medicamentos. Convivemos com a precarização das políticas públicas, desmonte do Sistema Único de Saúde, fundamental para o atendimento a pacientes contaminados por covid, resultando em uma crise sanitária que alcança dimensões de um genocídio”, denuncia a AMB em Manifesto Coletivo lançado por escrito e em vídeo neste 8 de Março.
Outros movimentos também realizaram ações diretas para denunciar o momento crítico pelo qual milhões de mulheres e suas famílias têm enfrentado ao longo do último ano. Em São Paulo, mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) fizeram uma ação de denúncia em frente à empresa Camil, contra o roubo do preço do arroz atualmente nos supermercados. Com faixas que diziam que “a ordem é não passar fome”, entregaram panfletos e distribuíram arroz orgânico para as trabalhadoras e trabalhadores que passavam por elas. No Paraná, em diferentes cidades do estado, as militantes do MST fizeram distribuições de alimentos orgânicos e quentinhas para questionar o aumento do preço dos alimentos e para denunciar os lucros do agronegócio. Em Pernambuco, mulheres da Ocupação Carolina de Jesus, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), bloquearam a BR 101 nas primeiras horas do dia, ateando fogo em pneus para exigir a vacinação massiva da população pelo Sistema Único de Saúde e do imediato retorno do auxílio emergencial no valor de R$ 600 para que as pessoas não morram de fome.
Contudo, assim como em outros países da América Latina, a grande expressão feminista foi vista nas redes. O #8M2021 no Brasil foi marcado por múltiplas ações digitais ao longo do dia. Movimentos, organizações e coletivos ocuparam a internet com transmissões ao vivo onde o discurso foi uníssono e alerta: não podemos mais esperar, precisamos tirar com urgência este genocida e seus aliados do poder. Pela Vida das Mulheres, #ForaBolsonaroeMourão. Os atos virtuais potencializaram a denúncia das condições de subordinação das mulheres pela política neoliberal bolsonarista, que tem intensificado a banalização da morte, seja pela omissão em conter a crise sanitária, seja por sua ideologia sádica que tem aumentado a violência cotidiana e os casos de violência doméstica e feminicídios no país. Durante a pandemia, por dia, três mulheres foram vítimas de feminicídio. Num total de 1005 registros entre março a dezembro de 2020, de acordo com levantamento feito pelas mídias independentes AzMina, Amazônia Real, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Ponte Jornalismo e Portal Catarinas.
Além da denúncia do aumento exponencial de feminicídios diante de medidas como o da ampliação e flexibilização do porte de armas, o #8M2021 denunciou a precarização das condições de vida das mulheres, de trabalho e renda e da sobrecarga do trabalho de cuidados durante a pandemia. “O desemprego e a precarização do trabalho crescem mais entre nós mulheres e a sobrecarga no trabalho doméstico e de cuidados consome o nosso tempo, nossos corpos e nos vulnerabiliza ainda mais ao adoecimento da pandemia”, destaca outro trecho do Manifesto da AMB.
De acordo com dados publicados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em 2020, as mulheres representaram 65,6% das que perderam o emprego formal durante a pandemia, sem contar as milhões de trabalhadoras informais que perderam suas fontes de renda. Também somos nós as que mais estão na chamada inatividade ou desalento — quando não estão trabalhando e nem procurando emprego formal –, de acordo com a PNAD Contínua 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), totalizando 8,5 milhões. Isso revela como a pandemia sobrecarrega o trabalho das mulheres com o cuidado da família. Segundo o Relatório Minera, 93% das mulheres brasileiras exercem trabalhos não remunerados em tarefas domésticas, de cuidados ou para produzir o próprio consumo.
Neste 8 de março, o antifeminismo também se moveu: Bia Kicks (PSL/DF) foi declarada a nova presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). A deputada foi eleita prometendo priorizar pautas conservadoras, a exemplo da lei que prevê a liberação do ensino de crianças em casa, o chamado homeschooling, que escancara a política fundamentalista de redomesticação das mulheres. Segundo resgate realizado pelo Cfemea, em Radar Feminista sobre o Congresso Nacional, a deputada é “bolsonarista fiel, negacionista e pró-morte” e estará à frente da apreciação dos pedidos de impeachment e 12 projetos relacionado a direitos reprodutivos que estão na Comissão.
A Frente Nacional pela Descriminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, através de Silvia Camurça, alertou que o objetivo da bancada fundamentalista, da qual a Bia Kicis faz parte, “é estabelecer à força a maternidade obrigatória para todas as crianças, jovens e mulheres em qualquer circunstância. Eles estão firmes neste propósito”, afirmou na live Hora do Levante, relembrando o caso emblemático ocorrido no ano passado, quando políticos fundamentalistas impulsionados pela ministra Damares Alves tentaram impedir o direito ao procedimento de aborto legal por uma menina de 10 anos que ficou grávida após ser violentada. A junção de forças fundamentalistas, milicianas, militares e do capital financeiro estão destruindo o Estado brasileiro, ao mesmo tempo em que retiram direitos conquistados e avançam com pautas conservadoras que são o prenúncio de que a vida de nós mulheres pode ficar muito pior caso Bolsonaro e Mourão sigam no poder.
As ações neste #8M2021 nos enchem de gás. O 8 de março é um projeto coletivo de luta das mulheres por melhores condições de vida e por uma sociedade com justiça social, livre do patriarcado racista colonial. Retomamos o fôlego que se somou ao respiro de esperança que representa a anulação pelo Superior Tribunal Federal das acusações fraudulentas dos processos da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula, orquestrada de maneira corrupta por Sérgio Moro. Há muito trabalho a ser feito e precisamos de todo mundo no front.
O que o contexto de um leve giro na correlação de forças na política nacional nos coloca é que precisamos agitar as redes e as ruas para pressionar pela derrubada do governo. Nós, feministas, o campo da esquerda partidária e dos outros movimentos sociais têm uma tarefa imensa para isso. Precisamos somar forças, mesmo estando em pandemia. Uma hora este caldeirão vai estourar e precisamos capilarizar uma alternativa coletiva para a saída dessa crise. Construir um projeto de futuro, unindo forças feministas, movimento negro, indígena, juventude, ecumênico, LGBTQIA+, a classe trabalhadora em geral, para que possamos enfrentar com esperança a força que está do outro lado. Não há tempo para esperar por 2022.