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Ação Feminista em Defesa da Legalização do Aborto no Brasil

Em 2012 esta colunista defendeu dissertação no Programa de Estudos sobre Mulheres, Gênero e Feminismo na Universidade Federal da Bahia. Existe este curso? Sim, existe. Não só de mestrado. Graduação e doutorado também. Um lugar pra estudar teoria feminista, como outros núcleos de estudos de gênero existentes.

Por: Carla Gisele Batista*. Originalmente publicado aqui.

Minha pesquisa é historiográfica. Examinei repertórios da luta pela legalização do aborto no Brasil. Investiguei avanços e retrocessos em relação a essa questão durante os dois mandatos do presidente Lula. A dissertação teve como propósito responder a duas questões básicas: quais as principais estratégias utilizadas pelos movimentos feministas no Brasil para ampliar o diálogo sobre o tema da legalização do aborto a partir da criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da realização das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres? Como esses movimentos interpretavam os avanços e retrocessos formais enfrentados nesse processo recente de busca por ampliar os permissivos legais sobre o aborto, a partir desses novos espaços de diálogo com o Executivo?  Para isso, além de pesquisa documental entrevistei 22 lideranças dos movimentos feministas, de norte a sul do país, que estavam mais à frente das ações em defesa da legalização do aborto naquele período.

Isso é relevante porque a ação dos movimentos sociais – neste caso os de mulheres e feministas – foi fundamental para os avanços democráticos vivenciados no país no período pós-golpe militar. Esses movimentos investiram com força e organização para transformar as instituições, para que estas abarcassem os direitos de cidadania até então ausentes na forma de se pensar e projetar as políticas públicas. Se anteriormente houve avanços que apenas se anunciaram possíveis, hoje estamos presenciando apenas retrocessos no campo das instituições democráticas e da cidadania das mulheres, entre outras populações. Temos, no entanto, um movimento que tem frequentemente ocupado as ruas, com a pauta do direito ao aborto, do direito à maternidade,  se somando às bandeiras impostas pelo contexto.

Os compromissos políticos-institucionais com esses sujeitos, ausentes dos espaços formais porque são movimentos, parecem ser mais facilmente negociados ou descartados. O processo de democratização da participação aconteceu paralelamente a um processo de desdemocratização, ainda que em gradações distintas. O escândalo do mensalão foi um marco. Não se completou sequer um ciclo entre as demandas aprovadas em Conferências de Políticas para Mulheres e a sua tentativa de tradução em práticas governamentais. Os avanços foram incipientes. O direito ao aborto, diante dos ataques conservadores, voltou a ser uma questão de polícia, a exemplo do estouro da clínica em Mato Grosso do Sul no final de 2007.

Pode-se afirmar que, com as negociações necessárias à manutenção de um governo de coalizão e à divisão de cargos entre partidos, praticamente voltamos ao período anterior ao PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher), quando da reinstituição de uma política materno-infantil, trazida nos bicos de uma cegonha. Mas, não há nada que não possa ficar pior no atual cenário, não é verdade?

No trabalho, tratei também de outra iniciativa que aconteceu de forma paralela: a instauração de um debate no Supremo Tribunal Federal sobre a aprovação de um permissivo para os casos de anencefalia, aprovado em 2012. Traço um panorama sobre as diversas táticas desenvolvidas para a ampliação da legislação existente desde 1940.

Esta pesquisa virou um livro que estará sendo lançado no próximo dia 17 em São Paulo, em um debate sobre o movimento feminista e a legalização do aborto no Brasil. Convido você ao debate e às páginas desta história, que vai se tecendo a partir de várias visões. Estou lhe apresentando uma delas.

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*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).