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As donas da rua da história

São Paulo recebe uma simpática exposição voltada principalmente às crianças e também bastante atraente ao público adulto, gerações que – como a minha – cresceram lendo os gibis da turma da Monica.

Por: Carla Gisele Batista*. Originalmente publicado aqui.

Um dos programas clássicos em São Paulo é a visita ao Conjunto Nacional, na Paulista. É um hábito que vem dos tempos em que ali estava a única Livraria Cultura que conhecíamos. Parar no Viena para tomar um cappuccino ou café com pão de queijo, assistir ao que está em cartaz nos cinemas e visitar as fartas e atualizadas estantes de livros.  Sem cumprir este ritual, parece que faltou algo na visita à cidade.

Passando por lá estes dias, me deparei com uma exposição simpática em seus vãos de circulação. Voltada principalmente às crianças, raríssimas por ali, era bastante atraente ao público adulto, gerações que – como a minha – cresceram lendo os gibis da turma da Monica.

Apoiada pela ONU Mulheres, a iniciativa da Maurício de Souza Produções busca chamar a atenção para mulheres que se destacaram em diversas áreas de atuação: artes plásticas, esportes, ciências, literatura, entre outras. O diferencial atrativo era que estas mulheres estavam estampadas nas personagens femininas dos gibis: Mônica e Magali, por exemplo, representavam Malala, Frida Kahlo, Tarsila do Amaral, Marie Curie, etc… Abaixo de cada um dos  alegres desenhos, uma foto real e pequena biografia da personalidade.

Desconhecia, por exemplo, a jogadora de futebol Miraíldes Maciel Mota, a Formiga,  que participou de todas as edições das olimpíadas, desde que o futebol feminino passou a integrá-las. O futebol pode ser emblemático das desigualdades com as quais as mulheres convivem na nossa sociedade. Aos rapazes que se destacam, tudo: espaço na tv, contratos milionários, reconhecimento. Às mulheres, muito pouco ou quase nada, ainda que mostrem brilhantismo neste esporte. A genial Marta, inúmeras vezes a melhor jogadora do mundo, que o diga.

É importante saber que elas existem, existiram, e que têm uma obra, uma história de vida que merece ser conhecida, admirada. O reconhecimento público para elas sempre esteve propositalmente esquecido, apagado. Todos os esforços para reverter esta invisibilidade é valioso. Pode ser uma semente de encorajamento, tanto para a afirmação individual, como como para a ousadia da atuação coletiva.

O projeto As Donas da Rua da História foi um estímulo para que o quadrinista criasse uma família negra, como forma de ampliar a representatividade no universo de personagens e criar maior identidade entre leitores/as brasileiros/as. Não que eles já não existissem: o Cascão, por exemplo, é bastante conhecido. A família tem 5 integrantes: pai, mãe, 1 filho e 2 filhas. As mulheres da família emprestam suas imagens para as mulheres negras em exposição: Carolina Maria de Jesus é uma delas. A fabulosa mulher que transformou sua vida na favela e convivência diária com a pobreza, a fome, em algumas das páginas mais belas da literatura brasileira.

Meninas nas ciências de dados

500 garotas, dos 11 aos 15 anos, alunas do 6º ao 9º ano de escolas públicas de Salvador, desde o início de 2019, estão participando de um projeto que se propõe a estimular o interesse pelas ciências exatas. Elas terão acesso a conteúdos ligados ao pensamento estatístico, algorítimo, programação, conceitos introdutórios de estatísticas, o que é possibilidade e probabilidade, e trabalharão na construção do site “Conheça Salvador”.

A formação é feita por professores/as e alunos/as da Escola Politécnica da UFBA. A ideia é que elas conheçam melhor o ambiente aonde estão inseridas e isso fortaleça a mobilidade e apropriação cidadã do território por onde circulam, a participação, além da formação para carreiras de ciências exatas, engenharias e computação. O projeto conta com o apoio do CNPQ, R-Ladies Global e R-Ladies Salvador.

A mensagem veiculada pela exposição e que cabe também ao projeto, é: meninas podem ser o que elas quiserem!

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*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).