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Brasil, como sair dessa?

Debate sobre táticas populares de resistência, solidariedade e sobrevivência como ferramentas indispensáveis para enfrentar a razão neoliberal acontece no SOS Corpo com convidadas da Argentina e do Rio de Janeiro.

No princípio era a expectativa, alegria, vermelho nas ruas. Depois veio a tensão. A diferença entre os fuso horários presentes no Brasil impediu a divulgação dos resultados parciais da apuração, visto que o estado do Acre estaria em votação até as 19 horas do horário de Brasília*. Assim, os momentos que antecederam a divulgação do resultado eleitoral foram de nervosismo para a esquerda brasileira. Todos/as estávamos esperançosos/as de que a virada, expressa nas redes e nas ruas nas últimas semanas de campanha, inclusive com a adesão de várias figuras públicas que, na reta final, declararam voto ao PT, fosse confirmada nos números. Ao sair, entretanto, o resultado parcial das apurações, às 19 horas, o desespero tomou conta de muitas pessoas. Com 88% das urnas apuradas, estava confirmada a vitória do candidato do PSL.

O êxito de Bolsonaro no Brasil expressa a vitória e a expansão do neoliberalismo no mundo e expressa o êxito da estratégia de escamotear o programa neoliberal extremo com o debate moral e da crítica da velha política. Explica-nós a coordenadora da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e integrante do SOS Corpo, Verônica Ferreira. Segundo ela, para não apresentar seu programa ultra-neoliberal, a candidatura Bolsonaro canalizou a descrença no sistema político, forte na cultura política do país, e apresentou a solução rápida do autoritarismo, através dos temas da corrupção, da segurança e do nacionalismo; apresentando o ódio às mulheres, aos negros, pobres e índios e LGBTSs. “Ele também aproveitou-se e canalizou as estruturas e ideologias autoritárias da ditadura militar que não foram enfrentadas suficientemente no processo de democratização”.Assim, até a fraca democracia liberal tornou-se incompatível com esse momento. O neoliberalismo avança usando a violência mais brutal e acaparando totalmente o Estado para os interesses privados. Instituições, direitos, legislações, e todos os limites à exploração são banidos. E o golpe no Brasil, que segue avançando, pois faz parte de um avanço global e sistêmico, envolvendo forças poderosas.

Para conversar um pouco mais sobre essas questões, o SOS Corpo promove o lançamento do livro “A Razão Neoliberal: Economias barrocas e pragmática popular” da autora argentina, feminista e ativista do coletivo “Nem Uma A Menos”, Verónica Gago; seguido de uma roda de debate sobre “Como sair dessa? Táticas populares da vida e neoliberalismos”, que teve a participação da autora e também da professora e militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras, Sílvia Dantas.

Editado na Argentina no final de 2014, A Razão Neoliberal, da autora argentina, feminista e ativista do coletivo “Nem Uma A Menos”, Verónica Gago, propõe um debate sobre o neoliberalismo, seu enraizamento nas subjetividades populares e suas formas de persistência depois das fortíssimas revoltas anti-neoliberais, que comoveram o continente no início do século. A autora propõe reabrir as discussões acerca da própria noção de neoliberalismo e seu suposto “fim”. Para Gago, a fórmula Estado vs. Mercado simplifica os papéis e impede-nos de pensar como o neoliberalismo não vem apenas “de cima para baixo” (governos, corporações e organismos internacionais), mas torna-se persistente justamente porque consegue ler e capturar tramas vitais que operam produzindo valor, inventando recursos onde não há, repondo infraestrutura popular diante do despojo e criando modos de vida que excedem as fronteiras do capital: um neoliberalismo também “de baixo para cima”.

Nesse sentido, A Razão Neoliberal propõe pensar o neoliberalismo não como uma doutrina homogênea e compacta para exercer os governos, e sim também como uma complexa tecnologia para governar, a qual inclui enfocar a multiplicidade de níveis nos quais ele opera, a variedade de mecanismos e saberes envolvidos e os modos em que se combina e articula, de forma desigual, com outros saberes e formas do fazer. As práticas de “baixo para cima” (as feiras, as oficinas têxteis, a favela etc.) por sua vez, operam uma pluralização do neoliberalismo que permitem ver a articulação com formas comunitárias, com táticas populares de resolução de vida, com empreendimentos que alimentam as redes informais e com modalidades de negociação de direitos que se servem dessa vitalidade social.

A importância deste debate é de grande utilidade para repensar os processos políticos no Brasil, diante do novo governo que buscará impor um modelo profundamente neoliberal em termos econômicos, porém acrescido de uma ideologia conservadora e fundamentalista em termos de cultura e formas de vida, no contexto de uma sociedade que está vivenciando os limites destrutivos do capitalismo e diante dessa ameaça responde com violência e medo.

Trasmission:

 

Serviço:

Lançamento do livro “A Razão Neoliberal: Economias barrocas e pragmática popular”, de Verônica Gago (Argentina) e Debate “Como sair dessa? Táticas populares de resolução da vida e neoliberalismo”, com Verônica Gago (Ni Una a Menos) e Sílvia Dantas (Articulação de Mulheres Brasileiras).

Quando? Terça, 21 de novembro.

Hora? A partir das 18h.

Local? Centro Cultural Feminista do SOS Corpo

Endereço? Rua Real da Torre, 593 – Madalena, Recife.

Sobre a autora: Verónica Gago, nasceu em Chivilcoy, Buenos Aires – Argentina, em 1976. Foi membro do coletivo de pesquisa militante “Situações”. Trabalha como docente da Universidade de Ciências Sociais (Universidade de Buenos Aires) e na Universidade Nacional de San Martin (UNSAM) e é pesquisadora do CONICET – Conselho Nacional de Investigações Cientificas y Técnicas. Atualmente é parte do Coletivo “NiUnaMenos” em Argentina.

*Em Fernando de Noronha (Nordeste) o horário difere em uma hora a menos que maioria do Brasil (GMT -2:00); o horário oficial brasileiro segue o de Brasília (Centro-Oeste) (GMT -3:00), e no Acre (Norte) (GMT – 4:00) o horário difere para uma hora a mais que o oficial.