Movimento feminista fez história com milhões nas ruas e nas urnas de todo o Brasil contra o candidato fascista. Foi a primeira vez que aconteceu nacionalmente uma marcha autônoma e multipartidária contra um dos candidatos à presidência. A Articulação de Mulheres Brasileiras celebra este movimento, analisando-o e orientando nossa atuação feminista diante da conjuntura fascista em que se realizará o segundo turno das eleições presidenciais.
O Brasil chegou a este segundo turno num cenário dividido e ameaçador. Mas chegar aqui já foi uma vitória, uma conquista da força política das mulheres que mobilizaram, por todo país, o #EleNão garantindo assim o segundo turno. A situação é gravíssima e nossa responsabilidade histórica, imensa. Vimos discutindo e nos preparando para um cenário difícil desde o golpe de 2016, quando passamos a viver num estado de anormalidade democrática, no qual atuamos no confronto ao governo golpista, denunciando a política de desmontes, os retrocessos e ameaças às conquistas que vários segmentos sociais obtiveram ao longo das últimas décadas, na luta contra o conservadorismo e o fundamentalismo organizado nas Instituições e na sociedade, defendendo eleições diretas e livres.
Nós, feministas, resistimos na linha de frente, fortalecendo e ampliando alianças. Esta resistência culminou num levante das mulheres em grandes atos pelo país, no 28 e 29 de setembro, quando gritamos coletivamente um sonoro #EleNão, com nossos tambores, nossas vozes, nossos corpos, nossas estéticas, nossas artes. Fomos milhões de mulheres em mais de 400 municípios de todo o Brasil ecoando NÃO ao candidato que representa o fascismo, o retrocesso e tantas outras ameaças. E às nossas vozes, tantas outras se juntaram.
Aos que tentaram colocar sobre nós a responsabilidade pela ascensão do Coiso, a resposta final veio com a análise dos dados eleitorais, que confirmaram termos sido nós, mulheres, as responsáveis por levar Haddad ao segundo turno, abrindo uma chance histórica para o fortalecimento do campo democrático na luta contra o fascismo. Foi a ação unificada das mulheres que impediu a vitória do fascista, no primeiro turno. Apesar do contexto tão adverso, conseguimos crescer não só nas ruas, com a movimentação social do #EleNão, como ampliar o número de candidaturas comprometidas com a agenda feminista, inventar novos jeitos de participação coletiva no processo eleitoral, culminando com significativo crescimento da representação política das mulheres, a partir do número de candidatas feministas eleitas.
Subimos de 10% para 15% na representação feminina no Congresso – ainda que a maioria ainda seja de um espectro partidário mais conservador, temos um aumento da bancada feminina do campo de esquerda, com parlamentares mais comprometidas com os direitos das mulheres. No Rio de Janeiro, as três candidatas negras oriundas da Mandata de Marielle Franco se elegeram 6 meses depois se sua execução, numa explícita mensagem a seus assassinos e à falta de resposta do Estado, reafirmando que Marielle é, e será semente! A união destas mulheres será fundamental para resistirem ao lamentável aumento, por outro lado, das bancadas autoritárias da Bala e da Bíblia no Congresso Nacional.
A demonstração de consciência social e da força política das mulheres expressa com o #elenão marcará a História, e será contada e recontada com muito orgulho. Neste momento, precisamos manter todas essas articulações internacionais, nacionais e locais que foram mobilizadas em torno do #EleNão, e continuar nas ruas, para impedir que o Coiso seja eleito.
Independentemente de quem ganhar as eleições, devemos nos manter alertas e como força suprapartidária no período pós-eleitoral. O crescimento do “bolsonarismo” no Congresso, nas Assembleias estaduais e na sociedade é algo ameaçador. Portanto, precisaremos estar atentas e fortes! Estamos desafiadas a lutar pela nossa jovem democracia, que corre o risco de sucumbir diante de interesses do capital internacional, com suas propostas ultra neoliberais, e do fundamentalismo que busca controlar nossas vidas e ameaça nossa liberdade de existir e resistir.
Temos dialogado sobre o quanto o fundamentalismo é predador, vendendo promessas e barganhando votos, abusando da fé alheia nos templos lotados de gente em busca de esperança, em busca de respostas para seus problemas pessoais, numa sociedade que nada lhes garante, em que as instituições não lhes protegem e onde lhes é negada a condição de sujeitos de direitos.
Já não podemos negligenciar o poder da desinformação. Isto requer mais tempo de ativismo, dedicação para construir argumentos, paciência para conversar, em especial com as mulheres, que são alvo de notícias falsas, estão inseguras, se sentem ameaçadas pela violência, estão em pânico, desesperadas com a política, com a corrupção. É a primeira eleição em que nos enfrentamos com esse tipo de tática sorrateira como a que está sendo utilizada pelo candidato fascista, através dos grupos de whatsapp, com notícias falsas, e usando alta tecnologia para captura de perfis. Uma tática financiada sabe-se sim por quem, no mesmo modelo que levou Trump à presidência dos Estados Unidos. Uma tática que esvazia o debate público e privatiza a política, e que é essencialmente fascista. Para enfrentá-la, temos nossa experiência acumulada em anos de luta democrática: o diálogo olho no olho, nas ruas, nas praças, onde pudermos chegar. Temos que continuar a ser a força política que ecoa aos quatro ventos para que, no processo de resistência, possamos aglutinar mais e mais gente para gritar bem agudamente: não ao autoritarismo, não à repressão, não à supressão de liberdades!
Sabemos que a gravidade do contexto carrega também a responsabilidade de uma esquerda que, no poder, não realizou reformas democráticas estruturantes e não enfrentou debates éticos fundamentais. Além disso, implementou uma política de coalizão para garantir resultados eleitorais, dando sustentação para o crescimento dos partidos fundamentalistas hoje aliados do Golpe e do candidato fascista. Embora Haddad já tenha reconhecido publicamente erros do PT, sabemos que essas falhas contribuíram gerando condições objetivas para os inimigos de plantão (aqueles cujos interesses particulares são ameaçados pela justiça, pela liberdade e pela democracia) elegerem um adversário comum, o PT, e alcançarem adesão popular com promessas de soluções totalitárias e ultraliberais diante da crise política. Como sabemos, as elites econômicas sempre se aliaram ou foram coniventes com fascistas para garantir seus ganhos exorbitantes. A restauração neoliberal na América Latina caminha de mãos dadas com a ofensiva fundamentalista. Mas também sabemos que o antipetismo atinge muito mais que o próprio PT: cultiva o ódio a toda dissidência, a toda a Esquerda e a todos os movimentos sociais que lutam por direitos e liberdade. Os inimigos do fascista são “todos os ativismos”, e são estes inimigos que o próprio candidato fascista anunciou que pretende aniquilar.
Temos denunciado, no Brasil, que a mídia, junto com o judiciário, cumpre papel central no projeto neoliberal em que estamos imersas. Denunciamos, também, que o combate à corrupção implementada com a Lava Jato tem sido vítima de distorções e manobras político-midiáticas, mostrando-se um processo comprometido com um lado da história, já que está evidente que “pau que bate em Chico, não bate em Francisco”. Também temos denunciado as arbitrariedades cometidas contra o ex-Presidente Lula, mantido preso injustamente há sete meses, com o claro objetivo de tirá-lo do páreo eleitoral.
O tema da corrupção e da segurança pública se tornaram centrais nessas eleições, reunindo argumentos do senso comum e imediatistas, cultivando o medo e a insegurança, que somente serviram para agravar a crise pela qual passamos. Somente num Estado democrático de direito e com uma reforma do sistema político poderemos enfrentar e gerar instrumentos de controle da corrupção. Em regimes autoritários não há transparência nem perspectiva de controle democrático, e a corrupção tende a crescer.
Os problemas da violência e da corrupção agravam as injustiças. Ambos só podem ser enfrentados com mais democracia e não com autoritarismo e repressão. Seguramente somos contra a corrupção como prática política, em todos os partidos, mas também somos contra a redução de direitos própria das políticas neoliberais abraçadas por diferentes partidos. Somos contra o enfraquecimento das políticas para a igualdade, por quaisquer governos de quaisquer partidos.
Sabemos que as crises são portas abertas para a entrada de regimes totalitários. Na Alemanha nazista, Hitler emergiu numa crise profunda da sociedade alemã, num período de muita violência e depressão econômica, onde o discurso nacionalista, xenófobo e ultraconservador ganhou espaço e adesão. A mídia teve papel central na submissão do povo alemão ao que Hitler falava. A propaganda nazista investiu pesado na propaganda, que ficou conhecida como “psicológica”. A máquina de propaganda construída pelo nazismo chegou a todos os âmbitos da sociedade alemã, e influenciou o mundo, tendo já sido usada, desde então, em vários países. Tudo muito parecido com o cenário de trevas que estamos enfrentando no Brasil. Nossos inimigos também construíram uma estratégia de propaganda, via redes sociais, usando a mentira como arma de destruição das forças progressistas.
As mulheres são como as águas, crescem quando se juntam!
Nossa orientação comum é manter o diálogo permanente com as mulheres, as principais afetadas pela política neoliberal e fundamentalista e ameaçadas pela ascensão do Coiso: precisamos fazer crescer, entre as mulheres, a rejeição ao candidato fascista e, ao mesmo tempo, defender propostas democráticas para enfrentar a crise.
A AMB, neste momento, se soma ao campo democrático de forças políticas no enfrentamento ao fascismo. Embora muitas tenham críticas ao PT, estamos diante de uma encruzilhada e temos que escolher um caminho, neste segundo turno. E o caminho é o da democracia, da liberdade e da justiça social representado pela candidatura de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila. Esta não é mais uma candidatura do PT, mas de todas nós, de todos que não suportam o fascismo e sonham com um governo popular. Recomendamos integração às Frentes Populares em defesa pela Democracia, fortalecendo os Comitês de mulheres nessas articulações.
Não é hora de nos recolhermos apreensivas. O medo é arma da dominação. Resistiremos com resiliência pois a luta será grande e extensa. Temos ao menos 40% da população conosco, nossas irmãs e irmãos de luta. Esta força, que precisamos fazer crescer, será nossa rede de lutas e apoio para o que vier a seguir!
Juntas Somos Fortes!!! #EleNão!!! #EleNunca!!!