Igualdade de direitos, reparação histórica, fim do genocídio. O primeiro Mês da Consciência Negra sob o governo de Jair Bolsonaro não impõe novas bandeiras de luta, mas uma reafirmação da necessidade histórica de enfrentamento ao racismo em todas as suas dimensões.
“Como todo o mito da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra numa primeira aproximação, constatamos que exerce uma violência simbólica em especial da mulher negra”. A frase de Lélia Gonzalez, antropóloga brasileira e uma das precursoras do feminismo negro mundial, apresenta elementos para que possamos questionar o atual contexto nacional e global de avanço da violência racista. Presenciamos, nas vésperas dia da consciência negra, mais um caso de racismo que marca a história da democracia brasileira. Em ato racista, no dia 19 de novembro, um deputado do PSL expressou toda a sua perversidade ao atacar a exposição celebrativa da Consciência Negra na Câmara dos Deputados. Ao quebrar a placa com a charge de Latuffe que denuncia a violência policial nas periferias do país, Coronel Tadeu exerceu uma violência simbólica que fere diretamente a existência de mulheres, homens, jovens e crianças negras e a memória daquelas e daqueles que foram vítimas de genocídio.
«Agressão de um policial militar, que por acaso também é um parlamentar, contra uma de minhas charges exposta no Congresso Nacional e que denuncia a violência policial, nos leva a seguinte reflexão: se fazem isso contra um cartaz, imagine contra gente de carne, osso e pele negra!», escreveu o cartunista no Twitter. Não precisamos imaginar, os dados trazidos pelo Atlas da Violência 2019 provam: “homem jovem, solteiro, negro, com até sete anos de estudo, este é o perfil dos indivíduos com mais probabilidade de morte violenta intencional no Brasil”. Segundo os dados da pesquisa, apenas em 2017, 35.783 jovens de 15 a 29 anos foram mortos, uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100 mil jovens, recorde nos últimos 10 anos. A taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um aumento de 3,3%. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas.
Essas violências são a expressão de um Estado colonialista que tem como projeto a segregação social, a violência como instrumento de eugenização, o desmonte das políticas públicas que atacam diretamente a maioria da população, composta por pessoas negras. Nesse contexto, não basta não ser racista, como nos diz Angela Davis, é preciso se levantar contra os sistemas que oprimem a maioria. É preciso ser antirracista!
Em São Paulo (SP), a 16ª Marcha da Consciência Negra percorreu um trajeto do Museu de Arte de SP (Masp), até o Theatro Municipal, no Anhangabaú, um local histórico para o movimento. Foi lá, em 1978, que foi fundado o Movimento Negro Unificado (MNU), durante a ditadura militar. No Rio de Janeiro (RJ), os manifestantes se reuniram pela manhã sob o viaduto Negrão de Lima, em Madureira, para a 8ª Marcha da Periferia do Rio de Janeiro. Em Florianópolis (SC), o movimento negro se reuniu na Escadaria do Rosário, região central da cidade, de onde partiu em marcha para celebrar a luta de Zumbi dos Palmares, Dandara, Marielle Franco e outras personalidades históricas da luta contra o racismo. Em Belo Horizonte (MG), o dia amanheceu com as palavras de ordem proferidas pelos participantes da 3ª Marcha em Prol da Igualdade Racial, na Rua dos Guararapes, bairro Pindorama. O manifesto oficial dos organizadores ressalta a importância do povo negro e da cultura de matriz africana na construção da identidade cultural da cidade.
À tarde, ocorreram os dois principais atos da região Nordeste. No Recife (PE), a marcha começou às 15h, no Parque 13 de Maio, região central da cidade. Mais de 50 entidades estavam representadas no protesto contra o racismo e o genocídio negro, e pelo direito à vida. No mesmo horário, em Salvador (BA), ocorreu a 40ª Marcha da Consciência Negra, com concentração no Campo Grande e caminhada até a Praça Castro Alves
O dia da Consciência Negra é para lembrar do passado sangrento e escravocrata que forma o território Brasil. É dia de lembrar que o genocídio da juventude negra é parte de um projeto social que estrutura a nossa história. É dia de não só o povo negro se levantar, mas também de todas e todos se levantarem para somar na luta contra o racismo estrutural que determina todas as relações sociais na sociedade, cultura, imaginário social, instituições e no convívio diário entre as pessoas.
Saudamos a luta e a força da ancestralidade! Viva Dandara, Zumbi, Nzinga, Aqualtune, os Malês, Zeferina, Maria Felipa, Maria Firmina, Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Marielle Franco e tantas outras e outros que tombaram diante de um Estado racista na luta por existência e liberdade. Um viva a todas e todos que resistem no dia a dia contra a gentrificação das cidades, contra o genocídio, contra o racismo patriarcal, institucional e que estão na luta diária para transformar a sociedade até que a libertação de todas e todos seja uma realidade.
*Com informações de Articulação de Mulheres Brasileiras, Brasil de Fato e José Eduardo Bernardes do portal Alma Preta.